segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Arquitetura como ferramenta de formação política

O ambiente construído é reflexo direto das relações sociais. Segundo Maricato (2011, p.51), uma sociedade como a nossa, radicalmente desigual e autoritária, baseada em relações de privilégio e arbitrariedade, consequentemente produz cidades que tenham essas mesmas características. Essa é a realidade brasileira. Como falar em urbanismo quando grande parte de uma população sequer tem acesso a cidade? Como falar em arquitetura quando grande parte de uma população sequer tem acesso a uma moradia?

Ao longo do tempo os arquitetos têm, em vários momentos, falhado em seus papeis sociais e políticos. Sérgio ferro, em entrevista no curta metragem Capacetes Coloridos (2007), faz inúmeras críticas ao fazer arquitetônico, tendo abandonado a profissão quando percebeu que não havia maneiras de atuar sem reproduzir a lógica de exploração do sistema. Na maioria das vezes, arquitetura tem se resumido somente a formas, que se fecham cada vez mais para a rua e para a cidade. Segundo Kapp, Baltazar dos Santos e Velloso (2006), esses espaços fechados, que criam mundos privados como promessa de felicidade, também privam as pessoas da vida pública.

Segundo Freitas (p.1),a filósofa política alemã Hanna Arendt acredita que a política só é possível no espaço público, “onde a pluralidade de sujeitos pode se revelar em atos e palavras ao se reunir em torno dos ‘assuntos comuns’ que constituem o campo privilegiado do exercício da cidadania”. Seguindo este pensando, estando o convívio social cada vez mais extinto consequentemente logo a política também o estará. Uma vez assim, como as atuais condições de desigualdade serão superadas? Como já disse Maricato (2011, p. 75), “a exclusão é um todo” – econômica, cultural, educacional, social jurídica ambiental, e não pode ser combatida de forma fragmentada. A população deve se organizar e ser ativa na luta por uma transformação, incorporando, debatendo e lutando por suas causas. De acordo com Romano e Antunes (2002), as pessoas que se encontram fora do processo de tomada de decisões devem ser nele introduzidos; Empoderamento, um termo que aqui se encaixa muito bem, é fundamental.

Os que lutam devem ainda, ser muito fortes, uma vez que quando se organizam e gritam por seus direitos, por causas justas, são, na maioria das vezes, totalmente criminalizados. Exemplo disso, a ocupação, no início do mês de Novembro, de vários edifícios no Centro e na Zona Leste de São Paulo. O direito a moradia é a bandeira levantada por diversos movimentos sociais populares (Frente de Luta por Moradia, União dos Movimentos de Moradia, Movimento de Moradia no Centro) segundo os quais as ações do poder público tem beneficiado mais as empreiteiras do que as famílias de baixa renda. Seria muito bom se esses imóveis vazios, bem localizados, pudessem ser reformados e ocupados, mas o poder público prefere reservar para essa parcela da população terrenos localizados nas periferias, afastadas de onde trabalham, afastados da cidade legal, quase sem infraestrutura alguma. E isso tem acontecido há tempos, onde estavam os arquitetos e urbanistas enquanto essa bolha, prestes a explodir, estava só aumentando? Acredito que muitos encontravam-se sentados em seus escritórios, com o ar condicionado ligado.

No curta metragem “Capacetes Coloridos” é apresentado uma interessante forma de produzir o espaço para a população de baixa renda: o mutirão. Através da cooperação, os futuros habitantes da área formam um mutirão, uma frente de trabalho, uma contraposição ao que as empreiteiras fazem. O exemplo apresentado, de um grupo de pessoas em São Paulo que tiveram de deixar o local onde viviam e organizaram-se em mutirão para início de uma obra em um novo terreno, em 2003, é um belo exemplo de uma arquitetura como formação política. A participação das pessoas na obra e também fora dela, em atividades que o movimento promove, soma pontos que serão válidos no momento de escolha dos apartamentos finalizados. Quem participa e trabalha mais, tem direito de escolher sua casa (a sua,de acordo com suas necessidades, não um projeto modelo imposto para um estereótipo de família brasileira). Considerando a idéia de Maricato (2011, p.76) de que a intervenção em meio físico, com obras de engenharia, arquitetura ou paisagismo, não é suficiente para a inclusão social, o processo anteriormente citado envolveu a população desde o começo, fez com que ela se identificasse com o local e mais importante, tomasse consciência da situação e de seus direitos. Transcrevendo a fala de uma mulher que participou do mutirão e hoje vive em um apartamento de sua escolha:

“você entra e vê que não é só isso, você encontra um monte de pessoas que tem um monte de outros problemas, e aí você fala: poxa, se a gente conseguiu se organizar pra ter uma moradia, a gente também pode se organizar pra ter escola, pra ter transporte, pra ter um monte de outras coisas... é o emprego, é a educação, é tudo. Você sabe que você agora é forte. E a política, eu acho que tudo envolve a política”. Capacetes Coloridos (2007)

Essa tomada de consciência por parte deste grupo foi essencial.O espaço do mutirão construiu além de prédios, o espírito crítico e político das pessoas, fazendo-as acreditar em um futuro melhor, menos desigual. A sociedade organizada pode sim conquistar o que é seu de direito! Brasileiros e Brasileiras, uni-vos! porque a luta pela cidade, pela moradia e pela arquitetura, é também uma luta política.

Último apelo: - Arquitetos caretas de todo o mundo, sem mágoas, estamos ai!


REFERÊNCIAS

KAPP, Silke; BALTAZAR DOS SANTOS, Ana Paula; VELLOSO, Rita de Cássia Lucena. Morar de Outras Maneiras: Pontos de Partida para uma Investigação da Produção Habitacional. Topos Revista de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, v. 4, p. 34-42, 2006.

MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. 4. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

FREITAS, Bruno Peres. Política e Espaço Público: um diálogo inicial com Hannah Arend. Puc-Rio.

ROMANO, Jorge O. ANTUNES, Marta. Empoderamento e direitos no combate à pobreza. Rio de Janeiro : ActionAid Brasil, 2002.

Capacetes Coloridos. direção, roteiro, produção e fotografia: paula constante. duração aproximada 38 minutos. colorido. ntsc. 2007.

Movimentos de luta por moradia articulam ocupações simultâneas. Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9574. Acesso: novembro de 2011.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

árvores, só.

A terra, uma semente, uma árvore. Árvores são tão vivas e tão simples; Tão bonitas e fáceis de desenhar, não são? Fazem sombra, dão flores e frutos, assobiam com o vento... Cores, cheiros, sons, sabores... Que lindo, que delícia. Quanta perfeição!

Toda essa reflexão fez-me lembrar de uma canção, um poema sobre árvores que o Arnaldo Antunes escreveu e musicou. Sempre que ouço essa música sinto que toda a perfeição que citei anteriormente é simples e completa.

As árvores - ARNALDO ANTUNES

As árvores são fáceis de achar
Ficam plantadas no chão
Mamam do sol pelas folhas
E pela terra
Também bebem água
Cantam no vento
E recebem a chuva de galhos abertos
Há as que dão frutas
E as que dão frutos
As de copa larga
E as que habitam esquilos
As que chovem depois da chuva
As cabeludas, as mais jovens mudas
As árvores ficam paradas
Uma a uma enfileiradas
Na alameda
Crescem pra cima como as pessoas
Mas nunca se deitam
O céu aceitam
Crescem como as pessoas
Mas não são soltas nos passos
São maiores, mas
Ocupam menos espaço
Árvore da vida
Árvore querida
Perdão pelo coração
Que eu desenhei em você
Com o nome do meu amor.

Após assistir um vídeo do projeto Arbores Laetae do Diller Scofidio & Renfro studio para a Liverpool Biennial (http://www.youtube.com/watch?v=gQwu1DSGNPM&feature=share), fiz questão de abraçar várias árvores que encontrava pelo caminho, plantadas no chão, paradas. Também, fiz questão de ler, ouvir e tocar esse poema/música várias vezes, grifando algumas partes.

Arbores Laetae, joyful trees, dancing trees…Por que não se contentar só com árvores?

Algumas criações de Deus são tão completas e perfeitas que os homens não deveriam nem tentar interferir.