segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

DETAIL AND IDENTITY

INTRODUÇÃO
O capítulo “Detail and Identity”, do Livro “The state of architecture in the beginning of 21st century”, discute a temática à partir de exemplos e visões de diferentes setores como: política, sociedade, design, arquitetura e produção. Por se tratar de um texto contemporâneo, os autores analisam várias questões, inclusive a produção do modernismo, com um distanciamento histórico que lhes permite apontar algumas de suas falhas e levantar questões sobre as posições atuais.
O presente trabalho vai apresentar os diferentes posicionamentos defendidos pelos autores nos textos, refletindo sobre eles e ao mesmo tempo tentando conectá-los interna e externamente com outros exemplos, possibilitando uma reflexão sobre práticas arquitetônicas atuais e anteriores.


“DETAIL AND IDENTITY”
O capítulo é formado por sete textos de teóricos contemporâneos, introduzidos por uma breve explanação acerca dos conceitos de detalhe e identidade. A obra apresenta e discute o tema a partir de diferentes áreas e visões: política, sociedade, design, arquitetura e produção. Neste momento introdutório são levantados tópicos como a importância do detalhe para a criação da identidade da obra e do próprio arquiteto. Além disso, o detalhe é tratado como um excesso, algo que vai além da função e forma, garantindo à obra significados mais amplos. Desta forma, a utilização do detalhe reflete a preocupação com a criação ou manutenção de uma identidade.
O primeiro texto, Evidence of Identity, de Laurie Hawkinson, apresenta a semântica dos termos em análise. Nele as definições de detalhe e identidade são trabalhadas e comparadas segundo sua interdependência. Segundo a autora, detalhe é aquilo que se distingue do geral, destacando-se como característica e particularidade. Sua ligação com a identidade se dá exatamente neste momento, onde é o detalhe que confere identidade ao objeto.
Tendo identidade como algo particular que determina um objeto ou grupo de objetos, pode-se perceber uma dialética pertinente ao tema que, por um lado é aquilo que distingue e torna único e por outro é capaz de integrar e fazer pertencer a um grupo. Assim, a relação estabelecida por detalhe e identidade se da pelo ato de montar e desmontar simultaneamente, é a relação entre o fragmento e a totalidade da construção.
O segundo momento discute a questão do trabalho/produção em escalas menores e sobre o prazer dessa possibilidade de trabalho mais íntima, gerando objetos “entre a utilidade e a beleza”. Desta forma, o trabalhador se reconhece no objeto, gerando uma relação de prazer e realização durante a produção, além da identificação mútua entre homem o objeto.
Como uma crítica à produção em massa e padronizada, o autor propõe e apresenta exemplos de trabalhos próprios produzidos “em resposta ao corpo humano”, à um corpo específico não ao corpo padrão do homem-modelo.
Já o texto “Market Identity: Desappeared by Detail”, de Michael Bell trata do questionamento sobre a real efetividade da produção arquitetônica nas mudanças políticas e sociais. A crítica à produção moderna apresentada neste está totalmente atrelada à relação falha estabelecida entre a grande carga teórica apresentada pelos modernistas e a pequena efetividade construtiva durante as tentativas de aplicação dos conceitos propostos. Atrelada à crítica exposta pelo texto anterior, Michael aponta de forma negativa questões como a produção em massa e sua valorização que ganhou força após a Revolução Industrial.
No decorrer do texto o autor estabelece relações entre a existência de uma sociedade de consumo, com base na exploração e na mais valia e os valores de mercado. Desta forma é levantada uma questão dialética entre a realidade social, a produção do espaço e as leis do mercado. É impossível saber se o valor se justifica pela forma de ocupação e esta configura o espaço; se é este valor econômico que determina as demais características ou, ainda, se é a sociedade que determina a ocupação do espaço ou vice versa.
No âmbito arquitetônico questiona-se como e se é possível compensar as distâncias sociais, financeiras, físicas e educacionais em prol da criação de uma identidade capaz de aproximar ao invés de segregar.
O quarto texto apresentado no capítulo, denominado “The Style of Architecture”, de Andrew Benjamin levanta questões ligadas à classificação da produção em estilos, indagando acerca da real existência destes estilos e da forma como as obras se inserem neles. A discussão é iniciada através da citação de Heinrich Hubsch, quando este aponta a seguinte dúvida: “Em qual estilo deve-se construir?”. A partir de indagações entre produções anteriores e a desenvolvida no Modernismo, o autor chega à conclusão de que o estilo só existe a partir do momento que surgem outros modelos seguindo novos princípios. Desta forma, percebe-se que a existência e a afirmação de um estilo parte da negação de outro. Assim, pode-se concluir a impossibilidade de definir um estilo, principalmente quando se pensa nessa interdependência, mesmo que seja formada pela negação.
O debate é deslocado ao apontar duas questões a serem priorizadas. Primeiramente é abordada a interlocução do estilo com a identidade nacional. Este ponto pode ser analisado a partir da existência de correntes artísticas e arquitetônicas similares em todo o mundo, mas que apresentam individualidades que revelam as peculiaridades e os sentimentos nacionalistas de cada lugar. Entretanto, tal relação não é a resposta para toda discussão sobre estilo. Seguindo esta discussão, o autor aborda a existência do Estilo Internacional e seu reconhecimento como sinônimo do Moderno. Ao contrário do anterior, este aponta uma unificação na produção arquitetônica mundial, que cria modelos únicos de produção sem se ponderar as peculiaridades de cada região.
A questão da importância do detalhe como “agente transformador” e criador de identidade é retomado criativamente no quinto texto, “How architecture stopped being the 97-pound weakling and became cool”, através do design. O autor, Svlvia Lavin, coloca a possibilidade de valorização, em diversos sentidos, de coisas e pessoas, à partir do desenvolvimento de uma identidade própria, diferenciada e individual através do design.
É interessante estabelecer elos entre os textos que não foram organizados aleatoriamente. O detalhe é justamente o “criador” da identidade e o responsável pela inserção ou exclusão da obra em determinado grupo ou estilo, questão criticada no texto anterior. Portanto, o detalhe é o responsável pela existência ou negação do estilo.
Partindo do princípio das técnicas de representação e dos processos construtivos, os últimos textos discutem modos de produção e criam uma tríade discursiva entre tecnologia, design e sistemas integrados. Chegando à questão da arquitetura de detalhes, o mesmo coloca esta como a larga produção do relacionamento entre design e indústria.

EXEMPLOS:
1- Movimento “Arts and Crafts”
Com o advento da Revolução Industrial a conformação política econômica e social das cidades se modificou muito. Além disso, as artes sofreram uma drástica mudança de valor. O que outrora era produzido manualmente por meio do artesanato passou a ser fabricado em série, em uma velocidade muito maior. Entretanto, a produção perdeu em termos de espiritualidade, não havia mais a presença da energia humana; A produção é impessoal e sem vida; Resumindo: é sem identidade. A meta da produção industrial seria de retirar todo o processo de execução das mãos do trabalhador e entregá-lo para as máquinas, eliminando de vez o “erro” humano. O espírito progressista e liberal do começo do século XIX é sucedido por gostos materialistas. O progresso deixa de se vincular aos direitos e às liberdades do homem. O que se vê é uma desumanização progressiva e a perda sistemática da qualidade funcional e de uso, principalmente em se tratando de produtos de uso cotidiano. Devido a todos estes fatores a produção artística cai muito de qualidade, o que provoca o surgimento de alguns críticos que buscam reerguer sua qualidade.
Das críticas sociais e morais ao industrialismo nasceram as propostas do design como agente de transformação, como uma medida reformista que daria a possibilidade de valorização dos objetos à partir do desenvolvimento de uma identidade própria, diferenciada e individual. É quando começa o Movimento Arts and Crafts, que surge na Inglaterra em 1830.
A análise, a partir de pensamentos do filósofo John Ruskin, do problema da relação entre a arte e a indústria, e o questionamento do sistema industrial como um todo, foram muito válidos para o processo de reforma. Seus ensinamentos foram tomados como base por William Morris (1834 - 1896). Morris era um intelectual rico que deixou a arquitetura por perceber que esta ciência em seu tempo não se fazia da ligação entre homens e construções, a real efetividade da produção arquitetônica já estava sendo colocada em xeque. Morris defende e começa a divulgar, em meados do séc. XIX, a importância da concepção artística do objeto design de forma inédita, valorizando e preservando os “modos” de produção e conhecimento artesanais, a serem retomados na confecção de objetos de uso cotidiano.
Reunindo teóricos e artistas, o movimento buscou revalorizar o trabalho manual e recuperar a dimensão estética dos objetos produzidos industrialmente para uso cotidiano, promovendo a integração entre projeto e execução; a relação mais igualitária entre os trabalhadores envolvidos na produção e ainda, padrões elevados de criação, qualidade e acabamento; Ou seja, trabalhar os detalhes, desenvolvendo e criando uma identidade.
A Red House, criada por Morris e que tem como arquiteto Philip Webb teve em seu conceito todas as idéias do movimento das Arts and Crafts. Foi o próprio Morris quem desenhou e ornamentou a casa por meio de elementos simples, criteriosa escolha de materiais. Esta parte é toda feita artesanalmente.
O objetivo de Morris na construção desta residência era mostrar como era possível criar elementos uteis sem utilização da máquina. A casa era formada por elementos simples, diferentes dos costumeiros na época, mas muito funcionais. Era clara a crítica à indústria, ao capitalismo e à produção em série.

A casa vermelha (Red House) em Bexleyheath, Kent
2- Estilo Internacional

O nome Estilo Internacional, citado no texto “Style of Architecture” referencia à produção arquitetônica funcionalista praticada durante a primeira metade do século XX em todo o mundo.
Esta intitulação é comumente utilizada para designar toda a produção do Movimento Moderno, pautada por formas visuais simples, concretas e racionais. Entretanto esta produção se torna internacional a partir do momento em que estas formas se tornam padronizadas para toda a produção arquitetônica mundial, criando padrões e módulos a serem seguindo.
Como justificativa para esta colocação pode ser citada a raiz do movimento nos ideais de Le Corbusier, criador do modulor, homem modelos cujas medidas serviam de base para qualquer produção em qualquer lugar. Entretanto, estas medidas se baseavam na média alemã de pessoas do sexo masculino, ou seja, jamais poderiam ser aplicadas em uma produção voltada a utilização de uma mulher brasileira, por exemplo .

Modulor, Le Corbusier

É importante ressaltar que, a princípio, os modernistas negavam a idéia de estilo, buscando romper com o historicismo e criar uma arquitetura flexível, distante das limitações provocadas pelas determinações estilísticas. Os padrões criados funcionavam como diretrizes que traduziam as teorias e os ideais pensados. Entretanto, a formação de um estilo e, pior, do Estilo Internacional foi inevitável. O que outrora traduzia ideais, se transformou em regra a ser reproduzida mundialmente.
Esta transformação e padronização se caracterizaram, principalmente pela desvalorização das peculiaridades de cada região e principalmente, pelo desrespeito ao sentimento de nação. Segundo Andrew Benjamin, apesar de todas críticas pós modernas e contemporâneas, a arquitetura ainda não conseguiu se desvencilhar do Estilo Internacional e retornar a produção para suas raízes nacionais.

CONCLUSÃO

Os detalhes são fundamentais para a formação da identidade de obra e do próprio arquiteto. Estabelecem com esta a relação entre fragmento e todo. Por outro lado a identidade é responsável por distinguir diferentes e agrupar iguais, sendo ela, então, a determinadora para a criação dos estilos arquitetônicos de cada período ou região, se é que pode-se acreditar na existência real destes estilos que se diferenciavam nas criações nacionais e que são interdependentes em características e nas mútuas negações e afirmações.
O fato é que, mesmo que eles não existam, há na produção arquitetônica uma ligação muito forte aos módulos e padrões a ela indicados. Este fato explica, por exemplo, a não ruptura, em pleno século XXI, com uma produção típica do início do século anterior. Este padrão só pode ser rompido por meio de uma produção arquitetônica de limites, ou seja, que se permita ir ao extremo para romper.
As determinações políticas, econômicas e sociais sofridas pela produção arquitetônica, também são elementos fundamentais para uma criação rígida, manipulada e manipuladora. É impossível, entretanto estabelecer até que ponto a arquitetura é interferida por este tipo de relações e até que ponto ela é capaz de interferir na realidade. Sua real efetividade, por meio da concretização de ideais, em ramos como política e sociedade ainda é muito questionada, principalmente após os adventos do Modernismo.
É fato, entretanto, que a percepção dos “detalhes” arquitetônicos de uma cidade é fundamental para a imagem que será construída sobre ela. Entretanto, da mesma forma que os “óculos em um homem magro” apontam sua transformação em um homem “cool”, mas não são a garantia dela, os detalhes e design de uma cidade trabalham com a imagem, provocando uma possível modificação da forma como ela é vista, o que não implica necessariamente na real solução dos problemas que estes detalhes escondem.
O grande problema é que a lógica da produção arquitetônica atual parte do mesmo princípio da produção industrial, atrelada ao consumo e à massificação, onde os objetos são todos iguais, a mão de obra é explorada e o tempo ganha mais valor do que a qualidade. Desta forma, questões mais profundas, como a realidade social, idéias políticos ou até mesmo a forma de utilização dos espaços criados são deixadas de lado em prol da velocidade e da imagem. Até mesmo o ser humano vem sendo retirado do processo de criação arquitetônico.


BIBLIOGRAFIA

Livro “The state of architecture at the beginning of the 21st century”, capítulo “Detail + Identity”
TSCHUMI Bernardo, Arquitetura e limites I, II e III.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte e crítica da arte. 2ª ed. Lisboa: Estampa, 1995.
BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1994.
FRAMPTON, K. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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